sexta-feira, 3 de julho de 2009

POEMA V



Hilda Hilst A Federico García Lorca
Companheiro, morto desassombrado, rosácea ensolarada quem senão eu, te cantará primeiro. Quem senão eu pontilhada de chagas, eu que tanto te amei, eu que bebi na tua boca a fúria de umas águas eu, que mastiguei tuas conquistas e que depois chorei porque dizias: “amor de mis entrañas, viva muerte”.Ah! Se soubesses como ficou difícil a Poesia.Triste garganta o nosso tempo, TRISTE TRISTE.E mais um tempo, nem será lícito ao poeta ter memóriae cantar de repente: “os arados van e vêndende a Santiago a Belén”.Os cardos, companheiro, a aspereza, o luto a tua morte outra vez, a nossa morte, assim o mundo:deglutindo a palavra cada vez e cada vez mais fundo.Que dor de te saber tão morto. Alguns dirão:Mas se está vivo, não vês? Está vivo! Se todos o celebramSe tu cantas! ESTÁS MORTO. Sabes por quê?“El passado se pone su coraza de hierro y tapa sus oídos con algodón del viento.Nunca podrá arrancársele un secreto.”E o futuro é de sangue, de aço, de vaidade. E vermelhos azuis, braços e amarelos hão de gritar: morte aos poetas!Morte a todos aqueles de lúcidas artérias, tatuadosde infância, de plexo aberto, exposto aos lobos. Irmão.Companheiro. Que dor de te saber tão morto.
O poema acima foi publicado no livro "Poemas aos homens de nosso tempo”, Ed. Globo, São Paulo - 2003, pág. 109.

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